sábado, 3 de outubro de 2009

O garoto da rua 12

David. Meu David, meu Dave, meu.
Com a língua pousada na minha clavícula com uma calmaria cruel.
Desrosiers. Não era meu, era dele. Era daquela casa imunda, impregnada de fumaça na qual eu o deixei apodrecer.
Podre. E mesmo assim, meu.
Nunca foi por opção. Nunca foi ele, fui sempre eu. Eu que sempre tive a necessidade de foder tantas vezes quantas fossem necessárias para fazê-lo de um objeto que eu pudesse possuir em todos os sentidos.
Ele era sujo. Fedia como tudo naquela casa. A pele branca era encardida e os cabelos negros, opacos. Era maltratado, criado como o cachorro que sempre foi.
Eu prometi o que? Uma casa? Um barraco? Um, dois dólares?
E não me venha dizer que eu não tive o direito. Sempre o amei, daquela forma imunda, mesmo que o seu interior fosse completamente corroído.
Acaba de me ocorrer que eu o corroí. Mas se não o fizesse, qualquer um daqueles vagabundos que o abrigaram o fariam.
Nenhum deles tinha a mesma necessidade que eu em chamar aquele garoto de “meu”, foi muito justo.
Por que eu o deixei apodrecer naquele fim de mundo?
Ora, seria feio agora no meio da história vocês descobrirem que eu casei com uma dama apática, de ar blasé, estatura baixa e tendo como a única coisa que produziu na vida duas meninas que mesmo lindas, posso ver duas exatas cópias da criadora.
Digamos que eu não tenho mais 25 anos.
Ou melhor, digamos que o garoto, mesmo que imundo, vivia. E ora, um garoto em plena Londres antiquada com aquele tipo de serviço fazia um bom dinheiro.
Nada nunca foi pra ele infelizmente, tal que quando recebeu de presente um dos casos mais repugnantes de sífilis que já vi, a única coisa que recebeu foi um terço incompleto pra tentar alguma salvação antes da morte.
E digamos ainda que quem entregou o terço sabia das minhas visitas e aquilo custou caro, bem caro. Além de dois dentes, se querem saber.
Além de tudo, não poderia acolher o meu David em qualquer hipótese já que havia certa fama ao redor do garoto. Para que deveria sofrer? Por que eu me humilharia admitindo que ele havia sido mais que um objeto e até alguém pra mim? Não, tudo naquela casa apodrecia, até ele. Deveria saber disso, ele merecia.
Ele era um bicho. Um ratinho que agonizou bastante antes de morrer.
Ás vezes me pergunto, só ás vezes mesmo, por que esse tipo de pensamento me amedronta, se alguém ainda se lembra daquela criaturinha suja e se o que ele teve foi de fato uma vida.
É curioso pensar que ele ainda tinha alguma esperança. É doloroso pensar que ele me esperou na pior das agonias.
Mas eu não sou tão humano assim. Enche-me de orgulho saber que além de meu, ele foi leal até o fim. Um cachorrinho, que morreu esperando o dono.

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