segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

- Vês a moça de preto a mexer na algibeira das calças? A pouco deixou a mercearia... deve ter hoje quarenta anos.
- Bem conservada.
- Sim, era bonita. Quando nova, atraía os olhares dos moços de frete. Dizem que ficou louca.
- A loucura pode ser libertadora em alguns casos..
- E que caso infeliz foi o dela! Apaixonou-se por um conhecido meu, lembro-me bem da surpresa de todos. Era um sujeito bem apessoado, porém nada mais. Foi fácil para ela, naquele tempo, atrair sua atenção. Mas nada durou e ele logo se desencantou.
- Fez a moça alguma coisa?
- Já ouvi que sim, mas foi tempos depois do ocorrido e ele nada sabia a época. Sei que a deixou por falta de calor.. foi uma semana cruel. A preta que a segue bateu na minha porta em uma madrugada, disse-me que sua senhora estava aos prantos e era preciso tomar providência. Levei-a até a rua do ouvidor, perto de um bar que frequentava e falei para perguntar ao dono, que este deveria saber o paradeiro do meu conhecido. Quem sabe vendo as lágrimas da moça ele não mudava de ideia?
- E a criada o encontrou?
- Não, ele ficou uns tempos sumido, parecia mesmo querer evitá-la. Ouvi boatos que, de tão doentia era a paixão da mulher, encontraram-na certa vez na hospedaria da esquina, com a corda no pescoço. Foi a polícia que a tirou de lá.
- Seu conhecido nada fez?
- Não. Conforme ela ficava mais obsessiva, ele foi criando asco. Cerca de dois anos depois, não podia vê-la passar que gritava todo tipo de ofensa e palavras de baixo calão. A pobre só baixava os olhos, ás vezes apertava o passo para encurtar a situação. Tentei persuadi-lo a mudar essa postura, mas de nada adiantou. Cheguei mesmo a pedir para minha mulher visitá-la, que talvez um pouco de companhia lhe fizesse bem. Mas voltou logo para casa e jura que a viu conversando com a chaleira. Sabes bem como é minha esposa, se deleita em aumentar qualquer boato, o que põe em dúvida a veracidade da informação. Desde então, sempre que vejo a moça passar me sobe essa angústia, queria poder fazer alguma coisa.
- Sabe, aconteceu-me um caso parecido quando ainda era moço. Me apaixonei por uma senhora casada e com ela tive um romance, mas, passado um tempo, condenei-a pela infidelidade e infernizei a vida da pobre de todas as formas que pude. Só parei depois que perdi as estribeiras e dei-lhe um tapa na cara. Por várias vezes, quando minha mãe ainda era viva e eu ia a Minas para vê-la, via essa senhora passar no bonde e tinha vontade de pedir perdão, mas não tinha coragem. Mesmo assim, sempre que vou a igreja e me recordo dela, o que não acontece quase nunca, devo confessar, rezo para que esteja bem. Da próxima vez que ver essa moça, diga que tanto desprezo assim, não passa de amor enrustido, coisa de sujeito muito novo com a alma confusa, que ela há de se sentir melhor.

Um comentário:

Tati disse...

Navegando meio sem rumo lembrei dos seus "22 dedos". Apesar de toda bebedeira a lembrança foi bem-vinda. Gostei muito do que li por aqui, mocinha!

Voltarei mais e mais vezes...

beijo!